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segunda-feira, abril 26, 2010

Isso também passa

Filed under: Cinema — Nádia Lapa @ 11:55
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Ontem finalmente vi “Chico Xavier”. A minha análise sobre o filme é totalmente desprovida de qualquer embasamento técnico. Li todos os livros do Marcel Souto Maior sobre o Chico e a psicografia, tenho um pé no espiritismo e um interesse maior pelo assunto por ser o gancho para o meu TCC, que será apresentado ano que vem.

Então, vi o filme como uma espectadora atenta.

E não gostei.

Não adianta falarem que é uma produção global, um blockbuster, e que no início do filme há um aviso de que não há como colocar uma vida – especialmente a do maior médium brasileiro – em alguns minutos. Fato. Sei de tudo isso. Mas há cinebiografias muito mais bem feitas do que a que assisti ontem.

O longa começa com cenas do programa Pinga Fogo, que de fato existiu. São as respostas de Chico naquela entrevista que encadeiam as sequências do filme. Há uma sucessão de passagens do médium na vida adulta, mescladas com a infância infeliz em Pedro Leopoldo, onde ele nasceu. Não há confusão – dá pra entender direitinho o que se passa. Às vezes, porém, o diretor meio que pega pela mão o espectador, quando mostra a mãe de Chico (vivida por Letícia Sabatella. Curiosamente, o Chico “jovem” é interpretado por Angelo Antônio, ex-marido da atriz. Então, ela é mãe e ex-mulher? Não curti isso, não. Não, não dá pra separar as coisas) interagindo com a criança e depois mostra a sepultura dela. Quem conhece minimamente a história já sabia que ela havia falecido quando ele ainda era pequeno.

Perde-se muito tempo com a infância do Chico. Apesar disso, o longa não dá a dimensão das maldades perpetradas pela madrinha do médium, que o espetava a barriga com o garfo quente. Esta sequência até aparece no filme, mas algumas pessoas têm dificuldade de entender o que se passa. Da mesma forma, passa-se superficialmente pelo preconceito sofrido pelo menino, que foi tido como louco pela população da pequena cidade mineira. Na telona, porém, isso ganha um tom de certa forma caricatural.

Também é mal explicado o episódio envolvendo David Nasser e Jean Manzon, jornalistas da revista Cruzeiro. Conhecidos hoje como dois verdadeiros pilantras – que inventavam histórias e enganavam pessoas – o impacto da aparição deles na vida de Chico passa rápido como um foguete. Ficou difícil entender até para quem conhecia a história da dupla (eu entendi perfeitamente, pois tenho especial interesse na vida de Chico Xavier. Mas mesmo quem é da área do jornalismo acaba passando batido do fato).

O filme dá um salto depois da mudança para Uberaba. Neste momento, senti imensa falta do trabalho assistencial feito pelo médium. Chico foi acusado de demagogo e de que a caridade era, de certa forma, um palanque. Sobre isso, o médium deu uma resposta que uso até hoje quando reclamam deste tipo de trabalho, mas que não aparece em nenhum momento no longa. Quando questionado sobre a velha máxima de que é necessário ensinar a pescar, e não dar o peixe, ele respondia: “Tem gente que não tem forças para segurar a vara”.

Sobre as atitudes de Chico que mudaram a vida de milhares de pessoas – e que até hoje são repetidas nos inúmeros centros espíritas de todo o país – o filme apenas mostra, naquelas letras que aparecem antes da subida dos créditos, que ele doou toda a renda das vendas dos seus livros para a filantropia. Pra mim, este é o ponto mais negativo da cinebiografia.

Mas vamos falar de pontos positivos: para muitos, o Chico Xavier espirituoso (sem trocadilhos, please) foi uma surpresa. O episódio da turbulência no avião, quando o médium gritou desesperado com medo de morrer, arranca gargalhadas da plateia. Quem não o conheceu (eu o conheci, infelizmente, só por livros) tende a imaginar que ele era um homem sisudo, sério. E com o filme é possível tirar essa impressão e de algum modo torná-lo mais humano, mais próximo de nós.

Para quem não é espírita, o filme funciona como um blockbuster, mas esvazia demais a história incrível deste homem que mudou a religião no Brasil. As pessoas se divertem, se emocionam (eu confesso que fiquei com lágrimas nos olhos ao final, quando cenas reais da participação dele no Pinga Fogo aparecem, mas achei honestamente que choraria do início ao fim!), mas dificilmente sairão do cinema pensando a respeito do que viram.

É uma pena. Esta era uma oportunidade de transformar vidas. Não que eu queira que todo mundo vire espírita ou corra para os centros atrás de uma comunicação com os mortos. Mas estas pessoas poderiam, sim, enxergar que é possível se dedicar um pouco mais aos outros.

Sobre o título deste post: Chico reclamou com Emmanuel (seu guia espiritual, que no filme aparece com uma maquiagem bizarra) dos percalços que passava. O espírito então o tranquilizou: “Isso passa”. Mas lembrou: “A felicidade também passa”. Assim, ficou a lição: quando estamos ferrados, temos de saber que é passageiro; mas, quando estivermos em êxtase, devemos aproveitar – pois também irá acabar. E Chico escreveu a frase do título acima da cabeceira da cama – e todos os dias lembrava da lição recebida. E esse Chico caricatural do senhor Daniel Filho também passará.

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